Entendendo a legislação

Advogado explica o funcionamento das leis sobre a arte urbana

Rafael Dall'Agnol responde sobre as interpretações e âmbitos que interferem na aplicação da legislação 


Crédito: Margarida Martins

Quando o assunto é lei, muitas dúvidas costumam povoar a mente das pessoas. Apesar de ser indiscutível quanto ao seu cumprimento, a estrutura legal em nosso país abre margem para muita interpretação. Por isso, é bom saber algumas coisas básicas sobre as regras que regem a nação.

A estrutura de leis no Brasil é piramidal, ou seja, segue a ordem de importância e detalhamento dos assuntos de federais, para os estaduais e por último os municipais. A Constituição Federal possui normas gerais, que regem o país e estão acima de qualquer outro tipo de lei. Porém, elas não são específicas. Para casos mais detalhados há normas e artigos regulamentadores em cada esfera.

Para entender as viabilidades legais da arte de rua, o advogado e professor de Direito Rafael Dall'Agnol, explica como funcionam as leis neste contexto.







Profissão Artista


Crédito: ArtesUrbanas.com
Segundo o Artigo 5º, parágrafo XII, da Constituição Federal "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Ou seja, todo cidadão tem direito a trabalhar, em profissões regulamentadas ou não. "Por exemplo, advogados, dentistas e mais recentemente as doméstica, têm seu ofício regulamentado. Mas algumas profissões como os taxistas, palhaços e artistas de rua, não têm normas trabalhistas amparadas pela lei, apesar de poderem exercê-la", afirma Dall'Agnol. 

Do espaço urbano

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Os espaços citados na constituição são chamados de meio ambiente. Este pode ser dividido em Meio Ambiente Natural (plantas, animais, matas...); Artificial (casas, ruas, avenidas...); de Trabalho (insalubridade, segurança...) e Cultural (paisagens, monumentos, pratos típicos...).

Logo a arte de rua é uma expressão cultural, exercida no Meio Ambiente Artificial. E por não ser uma prática ilegal, não há como impedir sua execução, mas pode-se regulamentar.

No caso de Florianópolis, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) é o órgão que determina e faz cumprir as normas técnicas e licenças para uso de espaços públicos da cidade.


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Nos semáforos, as atitudes de veículos e pedestres estão subordinadas ao Código Brasileiro de Trânsito (CBT). "Estas leis classificam a atitude do pedestre, que não pode obstruir o trafego, tirar a atenção, circular entre carros, sob o risco de causar acidentes ou atropelamento. Há penas nestes casos, apesar de não serem aplicadas.", explica Rafael. 

Segundo o Artigo 254, do CBT: "É proibido ao pedestre:
  • Permanecer ou andar nas pistas, exceto para cruzá-las onde for permitido; 
  • Utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente; 
  • Andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea." 

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Estas infrações são consideradas leves e tem como penalidade multa, em 50% do valor da infração de natureza leve para os veículos.

Já o Artigo 68; diz que é assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos, para esta circulação, desde que não seja prejudicial ao fluxo. E define: "As interseções e em suas proximidades, onde não existam faixas de travessia, os pedestres devem atravessar a via na continuação da calçada, observadas as seguintes normas:
  • Não deverão adentrar na pista sem antes se certificar de que podem fazê-lo sem obstruir o trânsito de veículos; 
  • Uma vez iniciada a travessia de uma pista, os pedestres não deverão aumentar o seu percurso, demorar-se ou parar sobre ela sem necessidade." 
Como explica o professor Dall'Agnol, estes artigos definem claramente que os semáforos e faixas de pedestres não podem ser utilizados para apresentações artísticas, pois colocam em risco o trafego, a seguranças dos pedestres e veículos.

O Artigo 95; deixa esta proibição ainda mais clara. Afirmando que "Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via". Bem como no Artigo 94; "Qualquer obstáculo à livre circulação e à segurança de veículos e pedestres, tanto na via quanto na calçada, caso não possa ser retirado, deve ser devida e imediatamente sinalizado".

Neste caso, para usar vias de trânsito, semáforos e faixas de pedestres, por exemplo, é obrigatória a sinalização do responsável pelo evento, com avisos à comunidade, por intermédio dos meios de comunicação social, com 48 horas de antecedência.

O não cumprimento destes artigos preveem multa que varia de R$ 120,33 a R$ 721,98, para o organizador do evento e multa diária de 50% do valor do dia de trabalho ao servidor público responsável por não cumpri-los.

Contextos


Juridicamente não há, em nenhuma esfera, uma classificação para o que é expressão cultural ou arte. Estes termos não são conceituados pela lei. E seus usos em espaços públicos devem ser contextualizados em cada cenário, tendo suas aplicações exercidas por analogia, associação ou interpretação de leis pré-existentes.

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Por exemplo, alguns personagens do blog (Mariposa e Bacumin, o Robô, Yamandú Paz e o flautista Jaime) afirmaram terem sido detidos sob a acusação de extorsão, apresentado no Código Penal Brasileiro, no Artigo 158, definido como ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, com o intuito de obter para si ou para outro uma vantagem econômica indevida, por fazer, permitir que se faça ou deixar fazer alguma coisa. A pena para o crime prevê reclusão de quatro a 10 anos, mais multa.

Rafael explica que como não há leis próprias os artistas dependem da interpretação dos órgãos públicos perante as leis gerais do código penal. "No caso da extorsão, a lei prevê constrangimento na abordagem. Se as pessoas dão dinheiro de maneira voluntária, porque pararam para ver uma apresentação e gostam, não há coação ao pagamento. Mas atitudes do tipo: 'compra, compra, compra', ou 'me dá um dinheiro pelo show', podem levar as pessoas ao constrangimento", explica o professor. E ele prossegue, "É interpretação social da lei, por aqueles que se sentem lesados, nem sempre são as pessoas que pagam. A pessoa que dá a moeda nem sempre se incomoda, muitas vezes é um protecionismo relacionado aos comerciantes legais, que pagam impostos, enquanto os artistas de rua não pagam nada. Não é uma denuncia direta de quem sofre a tida violência, é uma repressão cultural, por um senso comum de que esta relação não é justa, sob a interpretação dos órgãos fiscalizadores e da sociedade", completa Rafael.

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Já o comércio em espaço público, precisa de cadastro de ambulante. Mesmo um produto artesanal, feito sem uso de processos industriais, devem ter autorização para serem vendidos nos espaços públicos. A única diferença é que o próprio artista quem faz a peça. Esta autorização deve ser pleiteada na Secretaria Executiva de Serviços Públicos (SESP)

O comércio ilegal, é fiscalizado pela própria SESP e pela Guarda Municipal, e prevê o recolhimento da mercadoria, mesmo de fabricação própria, encaminhamento à Receita Federal e multas.

Legislação Municipal regulamenta espaços urbanos destinados às artes

Apesar disso, diretor da Secretaria de Desenvolvimento Urbano diz que apresentações livres são coibidas


A arte urbana é realizada em vias públicas, porém para a utilização do espaço de uso comum pela sociedade, o município de Florianópolis tem uma própria legislação.

Quem é responsável por criar as leis é o Poder Legislativo, representado no município pela Câmara de Vereadores. Órgãos gestores com as secretarias, ações públicas e o próprio prefeito, também podem criar leis e encaminhá-las para aprovação da Câmara. Mas órgãos executores não criam leis, eles têm a função de fiscalizá-las.

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Para as expressões artísticas em ambiente urbano na Capital há apenas dois órgãos executores, a Fundação Franklin Cascaes e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF)

Não há uma secretaria especial de Cultura na cidade. A Secretaria de Turismo carrega em seu nome as competências da Cultura e Esporte, mas desde 2009 a gestão de ações culturais e artísticas no município são coordenadas pela Franklin. Em junho deste ano, durante a 4ª Conferência Municipal de Cultura, foi anunciada oficialmente a criação da Secretaria Municipal de Cultura, em projeto encaminhado à Câmara.

Em vigor


Enquanto a nova secretaria não entra em atividade, Florianópolis não pode criar políticas públicas de cultura. Atualmente três leis municipais regulamentam as atividades artísticas de rua, ou as coíbem.

A lei 7870 define quais locais na cidade podem servir de palco para apresentações culturais de caráter popular, e entrou em vigor em 26 de maio de 2009.

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Segundo a normativa, só o entorno do Mercado Público Municipal, o Largo da Alfândega, o Largo dos Artistas na Praça Fernando Machado, o entorno da figueira da Praça XV de Novembro, a esquina Democrática formada pela confluência das ruas Felipe Schmidt e Deodoro, o Largo da Catedral, a Praça Jornalista Bento Silvério e a Travessa Ratcliff, podem ser utilizados por grupos das expressões culturais de caráter popular de capoeira, teatro de rua, musicais, folclore, culturais, artísticos e outros da mesma natureza.

Já o decreto nº 11.600 (de 23 de maio de 2013) discorre sobre a coordenação de programas de capacitação, qualificação profissional e coordenação de feiras de artesanato e similares, pelo Instituto de Geração de Oportunidades (IGEOF), afim de promover um estímulo ao empreendedorismo local.

Por último, a lei nº 2496/86, fala acerca da regulamentação do comércio ambulante na área do município, de acordo com as posturas municipais sobre infrações, atos ilícitos e práticas permitidas na cidade (lei nº 1224/74).

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Segundo o diretor de serviços públicos, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Edino Rosar Júnior, as leis em vigor restringem, quase que por completo as atividades artísticas em Florianópolis. Salvo grandes eventos, com licenças especiais, e as feiras de artesanato, as expressões culturais devem por um todo serem repreendidas pelo IPUF. "Atualmente temos apenas 19 fiscais para toda a Ilha. É difícil fiscalizar. Atendemos determinações do Ministério Público e denúncias da população, mas sempre que nos deparamos com este tipo de apresentação temos de coibir, pois não é lícito.", explica Edino. A própria SMDU foi grafitada na fachada sem que fosse possível a fiscalização ou a investigação para apurar os responsáveis pela falta de fiscais e excesso de atribuições.

Crédito: ArtesUrbanas.com
Ele afirma ainda que as questões do espaço público são mais profundas, pois permeiam muitas jurisdições. "Uma praça pode ser do município, mas ser tombada em esfera federal. Os indígenas, por exemplo, tem a proteção da FUNAI, já os estrangeiros tem responsabilidades com a Polícia Federal e alguns espaços, ainda pertencem ao Estado, por isso é difícil mudar a legislação", prossegue Edino Rosar.

Enquanto as novas políticas de cultura não chegam, os artistas se arriscam em prol de renda e público.

Um comentário:

  1. As artes tem que mostradas.
    As reportagens estão muito legais, as imagens então nem se fale, perfeitas
    Parabéns a quem teve essa ideia.

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